O álbum morreu. Viva o playlist!

Nasci em 1971, o que significa que, como muitos, foi criado ouvindo LPs. Mais tarde, passei aos CDs sem muita relutância, ao contrário dos puristas que percebiam a diferença sonora entre eles (hoje percebo, mas a tecnologia do CD já melhorou também). Mas ambos, na verdade, são exemplares diferentes do formato específico de obra de arte que dominou a música nos últimos 70 anos: o álbum.

Um álbum é uma história de 8, 10, 15 capitulos, com começo, meio e fim. Lou Reed, na contracapa do LP New York, de 1989, pedia que os 57 minutos divididos em 14 faixas fossem ouvidos de uma vez só, “como um livro ou um filme”. Além disso, não é uma obra exclusivamente musical, mas gráfica também. Álbuns conceituais, faixas emendadas, capas não convencionais, de tudo foi feito usando esta base material como pressuposto.

Isto acabou, ou melhor, está acabando rapidamente. O formato mp3 caiu como uma bomba na Indústria fonográfica. A primeira reação foi a disseminação de coletâneas, baratas de fazer e com venda mais garantida, com faixas fora de ordem e vindas de álbuns diversos. Ed Motta, colecionador emérito de LPs (detesta o som do CD, o compara com uma lasanha congelada), considera “comprador de coletâneas” a suprema ofensa.

Porém, a possibilidade de reagrupar as faixas como se quiser começou a tornar o formato álbum obsoleto. Pior, começaram a aparecer músicas sem álbum. Hoje, quem tiver gravações, as disponibiliza no MySpace, por exemplo. E pronto. Não há mais o suporte que condicionava uma sequência de músicas no mesmo autor, ou cantor, ou produtor. Não há mais nada que leve a uma unidade. Se o álbum não existe, tudo é permitido.

Mas é claro que isso não significa que não haja mais uma história a ser contada. Apenas mudou quem a conta. DJs, carregando dúzias de LPs, já escolhiam a ordem do que queriam fazer ouvir – e dançar. Hoje este direito está com quem tem um leitor de mp3. Ou com quem tem acesso ao streaming, o tiro de misericórdia no álbum: agora, o álbum é uma rádio, e vice-versa. E esta chegada é providencial, depois do que se tornou a freqüência FM, revolucionária em sua época devido ao estéreo, e que hoje transmite jogos de futebol igualzinho à AM.

E será que este terreno vai continuar assim tão maleável? Será que a escuta não vai se cristalizar pelo uso em algum formato? Talvez a própria música vá ser responsável por isso, de certo modo. Uma história que não confirmo mas gosto muito diz que o maestro Herbert von Karajan teria sido o responsável pela determinação dos 74 minutos de duração do CD, para que sua versão da 9º Sinfonia de Beethoven coubesse inteira. E a cantora Suzanne Vega conta que sua gravação à capela Tom’s Diner, de 1986, foi a referência usada para o formato mp3: as frequências de sua voz serviram de limite para que a taxa de compressão – e qualidade sonora – do mp3 fossem definidas. Por aí se vê que a arte, de algum modo, também define a forma. Vejamos onde ela vai nos levar desta vez.

P.S. Suzanne Vega dá uma entrevista (em inglês) no Second Life em que conta a história do mp3 e canta Tom’s Dinner: aqui

7 comentários em “O álbum morreu. Viva o playlist!

  1. Quando o cd surgiu,eu só me lembro de elogios,hoje,que os saudosistas ficam dizendo que o som do vinil é melhor.eu ainda prefiro o som que vem filtrado pelas rádios,eu acho que chega melhor aos meus ouvidos.

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    • Ademar, há inclusive explicação física para o som do LP ser superior ao do CD, e este ao do MP3. Mas o nosso ouvido é meio que “treinado” pelo rádio, que privilegia os médios. Mas os CDs hoje já não tem o mesmo som da década de 1980, já se desenvolveram também, e o rádio cada vez tem menos importância frente à internet… Enfim, tudo muda o tempo todo. Abraços.

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  2. Olá Túlio,
    Demorei um pouquinho para aparecer pois queria visitar seu blog com tempo e atenção. Hoje, finalmente, apareceu a oportunidade e gostei muito do que li.
    Acho importante se falar das consequências desta revolução tecnológica que estamos vivendo. Nenhuma geração antes da minha passou por tantas mudanças tão rápidas e abruptas (eu sou de 64, ainda peguei a televisão em preto e branco, e sem controle remoto!).
    Eu sou uma entusiasta das inovações, e me sinto privilegiada por estar vivendo isso tudo. Meus filhos, coitados (brincadeirinha..rs), não se surpreendem com nada. Para a geração deles é tudo normal. Eles usam mas não se maravilham, ao contrário de mim, que uso e me maravilho!
    Imaginar poder ouvir música passeando pela praia ma década de 70, com um aparelhinho minúsculo com sei lá quantas mil músicas?!?
    Não sinto saudade de nada, por saber que tudo o que é bom não acaba. Disco de vinil, por exemplo e por ser bom, não acabou. Tem indústria de vinil sendo reativada até no Brasil! Mas quando caminhamos, um mp3 player é muito melhor.
    Os músicos acostumados ao “antigo” formato de mercado e divulgação estão numa situação difícil. As novas tecnologias estão remodelando o mercado tão rápido que tem muito músico perdido. Ganhar dinheiro com música está cada vez mais complicado (não vou entrar no mérito dos ganhos das gravadoras, porque daria para escrever um livro).
    Quanto aos álbuns, eu gosto. Música solta me dá a impressão de algo incompleto. Se eu ouço uma música e gosto, quero conhecer mais e acabo procurando não só o álbum, mas a discografia do sujeito (e as discografias dos sujeitos que o sujeito gosta ou se inspirou).É um procurar sem fim, e isso é que é o melhor. O álbum não acabou, tenha certeza disso!
    Acho também que hoje existe espaço e oportunidade para todos divulgarem seus trabalhos musicais,e para o público que pode conhecer novos sons. O que é muito bom. Mas, por outro lado, como consumidores, ficamos sobrecarregados de informação e, se não tomarmos cuidado, acabamos por “engolir” ouvido abaixo a mesmice de sempre.
    Muito me honra o link que você colocou para o Abracadabra, obrigada!
    Vida longa ao seu blog e tudo de bom!!
    Bruxa do Vinil.

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    • tuliovillaca disse:

      Bruxa, em primeiríssimo lugar, muito me honra a sua presença. Nada melhor para os calouros que uma boa recepção dos veteranos.
      Sou fã do álbum também, o que me motivou a escrever o artigo. Mas respiro aliviado pelo declínio das gravadoras. Percebo que hoje o músico tem que viver da música ao vivo mesmo, como o pessoal do Pará, que toca todo dia e vende os CDs a dois reais, preço de custo, para divulgar. Mas é claro que a grande indústria também está se adaptando, vide os vídeos da Lady Gaga bombando no YouTube. Estamos aqui para não permitir que este território ainda muito por desbravar fique todo colonizado, e continue havendo espaço para sítios como o seu e o meu.
      Certamente o álbum não morreu, como o vinil, como a ópera. Apenas não será talvez o formato preponderante. Mas é bom que outros formatos surjam, são novas possibilidades de invenção.
      Grande abraço, e saiba que estou sempre passando no Abracadabra, mesmo não comentando, para baixar as antigas e ótimas novidades.

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  3. tuliovillaca disse:

    André, Edu: Interessante ver como cada um de nós três, que temos aproximadamente a mesma idade, temos diferentes graus de adaptação a estes novos formatos. Eu mesmo estou tomando contato com o streaming agora (algo talvez imperdoável para quem quer tratar de música num blog), mas já lido bastante bem com o mp3, apesar da qualidade sonora sem mesmo muito inferior. Mas um perigo do mp3 é acabarmos só baixando o que já conhecemos e cairmos num certo conservadorismo. O bom da rádio (quando é boa rádio, claro) e do streaming é a possibilidade de sermos surpreendidos pelo que não conhecemos. E o rádio não morreu completamente, há programas muito legais como o decano Ronda Ronca, o Sexo MPB, várias coisas na Mec e na Roquete, enfim, só tem que garimpar.
    E Mansur, talvez as pequenas adaptações sejam justamente estas, da rádio para o streaming, do álbum para o playlist. Mas realmente essa necessidade de ficar up to date é um saco. Acho que vou aguardar um pouco para ter um celular com dentes azuis…

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  4. Ótimo artigo, Túlio. Não sei o que virá, mas confesso que ainda ouço os meus LPs com o mesmo prazer de outrora, mesmo tendo que trocar o lado, ouvir um ou outro chiadinho etc. Era um ritual e continua a ser. O CD realmente trouxe muitas melhorias, mas o MP3 ainda não tenho nem sei se quero ter. Também não costumo ouvir música no computador. Sei lá, acho que certos rituais que sempre acompanharam nossas vidas precisam continuar a ser feitos, mesmo que com pequenas adaptações. Tudo na teconologia está acontecendo rápido demais e não quero ficar correndo sempre atrás da última novidade.

    Aliás, em breve pretendo comprar o meu primeiro celular.

    Abração!

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  5. Eduardo disse:

    Sempre gostei de ouvir meus antigos ábuns do começo ao fim, e depois fazia quase a mesma coisa com os cds; mas pular uma canção “não tão atraente” no cd player é(ra) bem mais fácil que no toca-discos (ou pick-up). Esta alternativa me proporcionou o aumento do senso crítico (o MEU senso crítico!), quando passei a perceber que raros álbuns mereciam ser ouvidos na íntegra; muitos, tinham uma ou outra canção dispensável; da maioria, infelizmente, salvava-se uma ou outra música.
    Cansei, também, de ouvir rádios repetindo as mesmas músicas de sempre, o dia todo, dia após dia. Minha última experiência foi com uma rádio carioca, comprada(?) por uma seguradora famosa. Embora tivesse bons programas e apresentadores, as escassas novidades e a variedade invariável do repertório tornaram-se entediantes para mim.
    Sem entrar na questão da “pirataria” (que daria muito pano pra manga!), prefiro hoje a minha “coleção” de mp3 – com ou sem playlist, ouço só o que me agrada – e com algumas rádios da web, quando quero ouvir um gênero mais específico ou encontrar alguma boa novidade. E é tão mais fácil trocar de faixa/emissora…

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