One of Us é uma daquelas canções que fez sucesso no rádio sem que a pessoa que canta tenha feito sucesso junto, que parece ter uma vida própria em relação a intérprete e mesmo autor, e acaba sendo um ponto bem fora da curva padrão de suas carreiras, tamanha a sua singularidade.
A canção foi lançada em 1995 por Joan Osborne, uma cantora que transita normalmente entre o folk e o blues. No mesmo álbum, Relish, ela gravou um Bob Dylan, Man in the Long Black Coat, que era do último álbum dele, Oh Mercy. One of us não tinha quase nada a ver com o repertório normal dela. Já o autor, Eric Bazilian, é razoavelmente conhecido nos EUA como integrante da banda The Hooters, mas na verdade é o típico pau-pra-toda-obra, multi-instrumentista, produtor e com músicas gravadas por Deus e o mundo, de Bon Jovi a Ricky Martin.
O estranhamento de Joan Osborne com a canção é tamanho que ela declarou que teve que suavizar sua forma de cantar para adequá-la à música. Outra providência para tentar impedi-la de ser estranho no álbum e aproximá-la do seu repertório foi acrescentar uma introdução tirada de um canto folclórico do sul dos EUA – que ela canta com um timbre totalmente diferente e que, esta sim, soa como um corpo estranho na canção – tanto que foi retirada da versão single, que tocou nas rádios.
Muito bem, e daí? O que importa tanto a cantora de um sucesso só, ao menos no Brasil? Importa menos que a canção.
One of us – Joan Osborne
One of us é uma canção bem simples, composta segundo o cânone pop – um riff dá sustentação, as estrofes intermediárias são construídas sobre apenas quatro notas, o refrão tem apenas uma frase musical que gruda no ouvido. O surpreendente nela é exatamente que este arcabouço simples sirva tão bem a uma letra que carrega alguns questionamentos religiosos indigestos, baseados na pergunta-título deste post.
E se Deus fosse um de nós?Apenas um cara esquisito como nós
Apenas um estranho no ônibus
Tentando achar seu caminho de casa
Há diversos desdobramentos possíveis para esta idéia, que não é o caso desenvolver aqui, como: se Deus é um de nós, um de nós pode ser Deus – e de fato Jesus afirma que todos somos deuses. Mas a visão expressa na canção parece bem mais sombria que esta. Deus é ironizado ao ser retratado como Holy Rolling Stone, uma pedra rolante sagrada, e aqui a expressão rolling stone, glorificada desde Dylan até o grupo de mesmo nome como libertária, passa a simbolizar a idéia contrária, de algo ou alguém que não tem para onde ir.
No ano seguinte, Prince lançou o álbum triplo Emancipation, comemorando o fim de seu contrato com o selo Warner Bros, que o levara a abrir mão de seu nome artístico e adotar um símbolo em seu lugar. A antepenúltima faixa do terceiro CD é uma regravação de One of us.
One of us – Prince
A gravação de Prince, porém, vai na direção contrária à da de Joan Osborne. Prince, em vez de suavizar o timbre, o torna rascante, roufenho no refrão, onde nem canta a melodia original, deixando-a para o teclado. A sonoridade se torna mais pesada, ressaltando o tom sombrio da música. E Prince ainda muda a letra, trocando a palavra slob (que traduzi aqui como cara esquisito) por slave (escravo), novamente como referência à gravadora, mas também com diversas implicações filosóficas interessantes.
E, se a gravação de Osborne termina repetindo as perguntas do refrão sem um acorde final, a de Prince consegue sublinhar ainda melhor os questionamentos da canção, ao ameaçar um acorde final, trocando-o logo depois por outro fora da tonalidade, e terminando com uma explosão (Big Bang? Juizo Final?), grandiloquente como Prince gosta. Pois afinal é preciso lembrar que aquele sujeito desagradável que passa apressado e faz você mudar de calçada tem o infinito poder, e, talvez por isso, a infinita aflição. Ou que, se aquele sujeito estranho é um de nós, pode ser cada um de nós.
(Fora isso, Feliz Ano Novo a todos. Depois das Festas, o blog volta a seu ritmo normal.)
A Letra também é Prince !
Por isso a total liberdade para reinventar .
👏👏👏👏
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uma pena que tenha ficado conhecida praticamento com uma unica musica
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Eu acho curioso o fragmento de introdução da musica, como se fosse uma especie de cântico cristão de uma pequena igreja, mas não consigo entender muito. Alguma referência sobre isso?
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a interpretação dessa mulher nessa música é perfeita. Q voz bonita!!
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Oi. Boa Noite!
Eu gostaria de saber se Joan Osborn é Ateia??
Qual era a religião q ela professava na época da música?
e hj ?
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Oi, meu nome é Gilberto eu queria fazer um comentário sobre está musica.
Pois aquele que poder compreeder que compreenda, quando diz Deus é um de nós, ou seja está direcionado A Sentelha Divina do Homem Original, a dialética nunca foi o verdadeiro lar do Ser Divino latente em nós.
Fiquei surpreso pois em breve momento no video é mostrado a palavra Aquarium, outra questão intessante, que um dia possamos todos nós libertamos da dialética, e reconhecerem o que realmente é Deus!
Abraçços
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legal paradens
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Muito interessante os dois pontos de vistas. Cada buscando o seu estilo ou o seu desestilo para cantar uma canção tão irônica que pergunta a nós mesmos para onde estamos indo se deus somos nós.
forte abraço.
Wagner Pinheiro
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Gostei do “desestilo”, Wagner. A pergunta central da canção é tão forte que a sustenta inteira, não é? Abração.
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Está musica é fascinante, esta abertamente falando de nós…incrível tal conhecimento e para os ouvidos mais preparados um presente…nosso espirito é o Deus que tanto procuramos fora sem nos dar conta que esta dentro da gente.. nunca esteve fora, ela coloca isso em uma musica que lhe convida a pensar sobre tal evento, VOCÊ!..
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A versão do Prince é muito superior. 😀
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Mas não tenha dúvida, Raphael. Me parece que ele entendeu a música muito melhor que a Joan Osborne, melhor que o próprio autor. O formato da música pop ao mesmo tempo é uma garantia de qualidade mínima e uma camisa de força que impede qualidades “excessivas”. O Prince, que não tem nada com isso, disse mata no que a música dizia esfola. Melhor para nós. Abraços.
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