Elegia a Carlos Negreiros

Eu cheguei atrasado na Roda para Moacir Santos organizada pela flautista e pesquisadora Andrea Ernest Dias, demorei a me liberar no trabalho. Quando cheguei já havia começado, e se ouvia um vozeirão lá dentro. Quando acabou a música, entrei, e quem estava no palco com ela era o Carlos Negreiros.

O Negreiros foi o garoto que entrou para ser o cantor da Orquestra Afro-Brasileira fundada pelo maestro Abigail Moura nos anos 1950 sem conhecer nada, no dizer dele mesmo, e saiu sabendo tudo. E 60 anos depois tornou-se a referência dela, passando para os garotos o que aprendeu, comemorando os seus 80 anos com esta mesma orquestra refeita. Preciso dizer pouco mais.

O Negreiros cantou A noite do meu bem, da Dolores Duran, com arranjo feito pelo Moacir. E depois Andrea saiu do palco e o deixou só com os músicos, sua percussão e seu vozeirão para cantar Ifá. E ele tomou a frente e eu vi uma performance impressionante, em presença e força. Num dado momento, trocou os atabaques por caxixis, e depois atirou os caxixis no chão para retomar os atabaques com a mesma fúria que um garoto quebra a guitarra. Mas ele continuou. Não era ele quem estava ali, era uma multidão. Não eram seus 80 anos quem estavam ali, mas séculos e séculos de tradição e música com o vigor de um menino.

Então ele, muito aplaudido, deixou o palco para a volta da Andrea. Depois ainda viria BNegão para a outra participação da noite. Mas a o show foi interrompido, a música parou no meio, um médico foi buscado na plateia, ambulâncias chegaram, mas mesmo assim, ali no camarim, o coração do Negreiros parou.

O Negreiros cantou e para subir, como disse Andrea mais tarde. O tempo passou rápido demais, mas deu tempo de ele repassar um pouco do que aprendeu. Neste show em Ipanema BNegão não chegou a subir ao palco para pegar o bastão, mas já o fizera em Madureira e na Pavuna – ou seja, onde de direito. E na Orquestra, e nas séries de depoimentos e apresentações que passou a fazer desde que seus discos foram redescobertos, tantos anos depois, precursores de tanta coisa.

O Negreiros se foi fazendo o que sabia fazer melhor, e sua performance de ontem não vai sair mais dos meus tímpanos e retinas, e vai ecoar, como já ecoa, em BNegão e tantos outros, como ele ecoou outras tantas vozes para nós. O tempo passa rápido, 80 anos, séculos passam rápido, mas o que importa passar por nós, de uns para outros, para subsistir. O Negreiros aprendeu e ensinou, parte e fica naquilo que ensinou. E quem não ouviu e viu, vá ver e ouvir.

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